Ato de contrição

 

Pai, Filho, Espírito Santo, Amém. Padre, estou com a consciência muito pesada: tenho pecado contra o meu filho – e já faz tempo. Sinto tanta vergonha. Escondo este sentimento ruim há muitas e muitas confissões. Sim, sim, eu sei, somente Deus pode me julgar – também tenho medo do olhar d’Ele. A verdade é que não aguento mais o meu menino. Difícil aceitar essa coisa dentro da gente, afinal, ser mãe é tudo. Deus permitiu que o milagre da vida acontecesse em mim e veja só como tenho agido. Ando tratando-o tão, mas tão mal. Só queria que andasse por suas próprias pernas, que se sustentasse. Estou velha. Qual a sua perspectiva de futuro? Olha, a vontade é dar as costas e deixá-lo se virar sozinho; mas se fizer isso, vai morrer à mingua. Vai sim, padre, ele é um fraco. Sem mim se desespera e não atina; não sabe fazer nada sozinho, é um incapaz, coitado. O que tenta, ou sai errado ou faz malfeito.  Preciso estar sempre fiscalizando. Já ensinei as tarefas domésticas mil vezes e não tem Cristo que o faça aprender direito. Aí perco a paciência e lhe digo coisas horríveis. Paspalho, idiota, bostão, disso tudo chamei-o só nesta semana. Não justifica, eu sei, mas são vinte e dois anos explicando as mesmas coisas e nada dele conseguir aprender. No banheiro é pior: brigo para colocar naquela cabeça: o lugar do xixi é dentro do vaso. Adianta? O chão está sempre pingado. Obriguei-o a sentar. Dói no peito ver um homenzarrão acocado igual menina. Foi a única alternativa. Mas sabe o que mais dói? Ele não era assim. Antes da doença esse menino valia ouro. Era obediente, temente a Deus, tirava ótimas notas, tinha tudo para dar certo na vida. Muitas vezes sinto como se toda a culpa fosse minha. Ah, se o senhor soubesse pelo que passei. Até em prostíbulo já fui buscá-lo. Não fosse eu, teria morrido com alguma doença que vem junto com a promiscuidade ou teria sido atropelado. Mas a gente cansa. Quando era mais nova, achava que as funções de mãe tivessem fim, que chegaria um momento em que o filho estivesse pronto para o mundo e as minhas responsabilidades ficariam restritas aos netos, pois o meu menino saberia se cuidar. Às vezes escuto dizerem por aí: a mãe sempre vai tratar o filho como se não tivesse crescido. Tudo o que eu mais queria era poder tratá-lo apenas como adulto. Mas vou ser para sempre mãe de um crianção. Ele não sai na rua sem pedir um sorvete – e se lambuza todo para comer. Passo muita vergonha. Isso mesmo, sinto vergonha desse filho. Deus me perdoe! Queria ter um filho bem sucedido e com uma vida feliz; que tivesse terminado a faculdade e conseguido um emprego bom. Queria que ele tivesse conhecido uma menina decente, se casado e tido filhos. Queria que morasse na sua própria casa e viesse me visitar com os netos. Isso também é pecado, esse desejo mostra o quanto rejeito o filho que tenho. Quando essa amargura ataca o meu coração eu rezo, peço para Nossa Senhora purificar a minha alma e me dar força para mantê-lo nos eixos.

Desculpe, padre, vou ver se ele ainda está ali.

Sim, está sim, graças a Deus. Ele não pode ficar sozinho por muito tempo, o seu caráter é falho. Parece agir sob influência maligna. É assim, sim. Olha o que aconteceu há poucos dias: eu precisava ir ao banco, mas ele não quis me acompanhar, disse estar com muito sono e queria continuar dormindo. Logo desconfiei que tinha alguma coisa errada. Num estalo a Virgem Santíssima me iluminou: ele queria aprontar. Pressionei-o até confessar: o plano era aproveitar a minha saída para ir ao boteco encher a cara. Não é uma maldição? Ele não pode beber por causa dos remédios. Para fazer o que não presta consegue raciocinar direito. Sim, padre, sei sim, ele tem um coração bom – cuida se tomei o remédio para pressão alta e coisa e tal –, mas parece ter se alojado lá dentro algo ruim que o puxa para baixo. Na maior parte do tempo até se comporta, mas preciso ter pulso firme. Quando o meu marido faleceu, precisei virar mãe e pai. É pesado. Hoje parece que… Sábias palavras, padre, sábias palavras! Somente a fé nos fortalece e traz conforto.  

Tudo isso?! Não, me desculpe, é que achei… Claro, claro.  Senhor Jesus Cristo Deus e homem verdadeiro Criador e Redentor meu por serdes vós quem sois sumamente bom e digno de ser amado sobre todas as coisas e porque vos amo e estimo pesa-me Senhor de todo o meu coração de vos ter ofendido pesa-me também de ter perdido o céu e merecido o inferno e proponho firmemente ajudado com os auxílios de vossa divina graça emendar-me e nunca mais vos tornar a ofender espero alcançar o perdão de minhas culpas pela vossa infinita misericórdia Amém.

Ai! Padre, pode fazer um favor? Chama o meu filho para vir aqui me ajudar a levantar. Fiquei muito tempo ajoelhada, as minhas costas, acho que travou o ciático. É o grandalhão gordo, está sentado num dos bancos perto do altar. Obrigada.